Não somos seres que têm desejos, somos desejos que têm seres, Psicanálise, Lacan, clínica, psicoterapia, identidade humana, o Outro
Não somos seres que têm desejos, somos desejos que têm seres
O psiquiatra francês Jacques Lacan, que é conhecido por suas teorias complexas e provocadoras de pensamento, disse uma vez: “Não somos seres que têm desejos, somos desejos que têm seres”. Esta é uma reinterpretação convincente do que significa ser humano. Apesar de sua concisão, esta observação captura uma perspectiva sofisticada e nuanceada sobre a subjetividade, desejo e identidade nos seres humanos. Devemos examinar o quadro teórico de Lacan, seu conceito de desejo e o contexto mais amplo da psicanálise para compreender plenamente suas consequências.
A declaração feita por Lacan é um desvio dramático das idéias convencionais de identidade. Lacan propõe que nosso ser fundamental é composto de desejo, em vez de nos vermos como seres substanciais, independentes com desejos. Esta afirmação pode parecer obscura, mas é baseada na compreensão original de Lacan da psicanálise, especificamente suas teorias sobre o "Outro", o "objeto a" e o "estágio espelho".
Lacan chama este período de desenvolvimento de "estágio espelho", que dura de seis a dezoito meses. Os bebês nesta fase são capazes de reconhecer sua própria imagem em um espelho, uma experiência que os ajuda a se sentir como uma pessoa inteira e distinta. Esta unidade, no entanto, é falsa porque ignora a complexidade e desorganização de nossa realidade interior. É uma fabricação que esconde o mar turbulento de impulsos, motivações e emoções que, na opinião de Lacan, realmente constituem quem somos.
A ideia de Lacan do “Outro” esclarece esta ideia ainda mais. O "Outro" é o reino social fora da pessoa, que inclui convenções sociais, língua e cultura. Nossos objetivos e aspirações são determinados pelo “Outro”, que também define nossos desejos. Nós construímos nossas identidades com base no que pensamos que o “Outro” precisa de nós enquanto fazemos nosso caminho através deste terreno externo. Portanto, nosso “desejo” é um anseio por aprovação e aceitação do “Outro”. Nossa existência como “seres” é, portanto, subordinada à nossa existência enquanto “desejos”.
Entender a citação depende fortemente do "objeto a", outro princípio da teoria de Lacan. O "objeto a" é a coisa que desejamos, mas nunca podemos ter porque nosso cuidador primário satisfez todas as nossas necessidades quando éramos pequenos. Lacan diz que à medida que amadurecemos, perseguimos continuamente este enigmático “objeto a” de uma variedade de maneiras, o que afeta nossos desejos e, por sua vez, nossa existência.
Mas, em termos práticos, o que isso significa para nós? Como esse conhecimento do desejo afeta como nos vemos a nós mesmos e como nos conectamos com o mundo exterior?
Quando nos vemos como “desejos que têm seres”, entendemos que nossas identidades são mutáveis e sempre em mudança. Como resultado de nossos contatos com o “Outro”, nossos desejos estão sempre mudando e transformando nosso senso de quem somos. Esta visão pode ser tanto libertadora quanto inquietante. Por um lado, nos liberta de idéias rígidas e definidas de identidade e nos inspira a acolher a mudança e o desenvolvimento. Por outro lado, traz à nossa atenção a noção desagradável de que nosso senso de nós mesmos é inerentemente frágil e constantemente sujeito a nossos desejos em mudança.
Além disso, o ponto de vista de Lacan encoraja-nos a reconsiderar as normas e os padrões culturais. Podemos desenvolver autenticidade e autoconsciência, analisando criticamente essas pressões externas, tornando-nos conscientes de como o “Outro” afeta nossos desejos.
A citação de Lacan faz uma adição significativa à psicanálise como um todo. A identidade é transformada de uma coisa estática e contínua em um processo dinâmico e orientado pelo desejo. Ela questiona a sabedoria recebida e nos força a reconsiderar como nos vemos a nós mesmos e nosso lugar no universo.
Este obra está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
COMENTÁRIOS